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ARAYARA na Mídia: ‘O canto da sereia do lobby dos fósseis e os interesses políticos superaram a razão e a ciência climática’

Entrevista com Nicole Figueiredo Oliveira e Juliano Bueno | BRASIL

A CIVICUS discute a cúpula climática COP30 com Juliano Bueno e Nicole Figueiredo Oliveira, diretor técnico e diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, uma organização brasileira que trabalha pela distribuição justa e sustentável de recursos.

Entre 10 e 22 de novembro, Belém sediou a COP30 no coração da Amazônia brasileira, embora o governo brasileiro tenha causado polêmica ao autorizar novas perfurações de petróleo antes da cúpula. A conferência aprovou o Pacote de Belém, que incluiu um aumento no financiamento para adaptação e a criação de um programa de trabalho sobre uma transição justa – uma abordagem para a descarbonização que respeita os direitos humanos, incluindo os direitos trabalhistas. No entanto, não conseguiu atender às expectativas da sociedade civil em relação aos compromissos de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

O que representou a COP30 para o Brasil e por que sediar essa conferência na Amazônia foi tão significativo?

A COP30 foi, para o Brasil, uma oportunidade histórica, e também uma responsabilidade ética. Sediar o evento no maior bioma tropical do mundo foi um reconhecimento da importância estratégica do país no enfrentamento da crise climática.

A escolha foi simbólica e estratégica: colocou no centro do debate um dos biomas que mais sofrem com a convergência das crises climática, ecológica e de direitos humanos, pressionou os governos e a comunidade internacional a buscar soluções que priorizem economias justas, territórios indígenas e conhecimentos tradicionais.

Deve haver coerência entre discurso e prática, o que significa respeito pelos direitos dos povos originários e tradicionais, proteção de ecossistemas-chave como manguezais, estuários e florestas marinhas, e vinculação de compromissos climáticos a medidas concretas de proteção territorial e justiça socioambiental. A costa e o bioma amazônico estão passando por grandes avanços da indústria de combustíveis fósseis, com novas explorações de petróleo e gás no Brasil, Colômbia, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A crise climática exige não apenas metas de redução de emissões, mas também transformações na economia e no modelo de desenvolvimento que respeitem a integridade dos territórios.

Antes da COP30, as autoridades deram à Petrobras, empresa estatal de petróleo, permissão para perfurar em busca de petróleo na bacia de Foz do Amazonas. Como a sociedade civil reagiu?

A reação da sociedade civil foi de indignação e mobilização imediata. Para organizações ambientais, redes indígenas e coletivos de pescadores artesanais, a autorização — além de tecnicamente arriscada em área de alta sensibilidade ecológica — representou uma contradição inaceitável: ao mesmo tempo em que o país assumiu discursos climáticos e promoveu debates sobre soluções sustentáveis na COP30, permitiu avanços de exploração fóssil em áreas críticas.

A autorização também foi vista como uma tentativa de normalizar decisões que ameaçam a soberania ambiental das comunidades afetadas. Organizações da sociedade civil alertaram que, a menos que essa licença exploratória seja suspensa, os danos serão irreversíveis. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que emitiu a autorização, e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas reconheceram os impactos que ela teria sobre as comunidades tradicionais. Ignorar isso significava fechar os olhos para a lei e a ciência.

Isso gerou articulação entre organizações da sociedade civil, movimentos sociais e entidades jurídicas. O Instituto Arayara protocolou na Justiça Federal do Pará uma ação pedindo a paralisação da perfuração e pesquisa de petróleo no bloco 59 da bacia Foz do Amazonas e anulação da licença. Na ação, citamos alguns motivos da fragilidade dessa autorização: falta de consulta aos povos indígenas da região, falhas na modelagem em caso de vazamento e, especialmente, a omissão quanto ao impacto das emissões de CO2 por exploração de petróleo.

Essa escolha do governo brasileiro lançou profundas dúvidas sobre o futuro climático e ambiental do país e demonstrou o verdadeiro compromisso do governo com a indústria petroleira, em detrimento da descarbonização e da proteção ambiental. O canto da sereia do lobby dos fósseis e os interesses políticos superaram a razão e a ciência climática. A conta dessa decisão recairá sobre esta e as próximas gerações.

Como as comunidades indígenas reagiram à autorização?

As comunidades indígenas e tradicionais reagiram com profunda preocupação e mobilização. A Amazônia abriga 2,7 milhões de indígenas, 14 mil km² de manguezais e milhares de quilômetros do sistema recifal — ameaçados por perfurações em áreas de corais. As principais preocupações incluíram impactos diretos sobre modos de vida e cadeias produtivas locais como pesca; aumento da vulnerabilidade a desastres ambientais como vazamentos; e o impacto cultural e intergeracional sobre práticas alimentares, rituais e formas de transmissão do conhecimento.

Lideranças indígenas buscaram articular posições coletivas e demandar instrumentos de proteção imediata: suspensão de licenças, avaliação independente de riscos e planos de contingência que integrassem saberes tradicionais. Durante o período da COP30, o Instituto Arayara trouxe estas preocupações no Amazon Climate Hub,realizando 112 plenárias com mais de 700 painelistas. Os debates e apresentações técnicas e científicas abordaram temas como adaptação, agricultura e alimentação, animais, bioeconomia, justiça climática, soluções climáticas, descarbonização, economias de baixo carbono, novas tecnologias, oceanos e territórios, entre outros. Participaram comunidades, organizações da sociedade civile, organizações internacionais, jornalistas, academia, povos tradicionais, cientistas, ambientalistas e pesquisadores de todos os continentes, representando 68 países.

Ao todo, 14.768 pessoas passaram por esse espaço, onde alianças foram formadas. Os organizadores transmitiram os painéis publicamente e os disponibilizaram em redes sociais e para download com tradução em diversas línguas. O Instituto Arayara disponibilizará documentários, anais e resumos executivos de cada sessão ao longo dos próximos meses, garantindo acessibilidade e democratização das informações.

Quais foram as pressões que levaram o governo a autorizar a perfuração?

A autorização foi o resultado da confluência de pressões diversas: interesses geopolíticos e de segurança energética, lobby do setor de petróleo e gás e de atores econômicos que viram a expansão como oportunidade de investimento, além de pressões internas por cargos governamentais e influência política. Interesses corporativos e partidários buscaram fortalecer a indústria de hidrocarbonetos em nome de emprego e desenvolvimento regional, sem apresentar um balanço claro de riscos socioambientais.

No plano internacional, descobertas offshore na Guiana e Suriname aumentaram a pressão para aproveitar o potencial exploratório na costa amazônica brasileira, enquanto empresas estatais e privadas pressionaram por licenças em prazos alinhados com ciclos políticos. Técnicos do próprio órgão ambiental chegaram a recomendar cautela — o que sugeriu que a decisão final incorporou elementos políticos desprezando critérios científicos e técnicos.

Que papel a sociedade civil desempenhou durante a COP30?

A sociedade civil participou da COP30 com um papel duplo: como vigilante, fiscalizando declarações públicas e acordos, registrando incoerências e questionando autorizações problemáticas; e como proponente, colocando na mesa soluções como propostas de financiamento climático que priorizassem justiça territorial, mecanismos de perdas e danos com participação direta de comunidades afetadas, modelos de transição justa, e projetos de bioeconomia que gerassem renda local sem destruir floresta nem mares.

A ação esteve articulada em três frentes: incidência política com delegações; mobilização pública para ampliar o debate democrático; e criação de espaços seguros para que lideranças indígenas falassem diretamente ao público internacional. No Amazon Climate Hub, visibilizamos iniciativas de base que já funcionam.

Quais foram os principais resultados da COP30?

A COP30 apresentou resultados mistos. Houve avanços importantes, mas não conseguiu traduzir plenamente a retórica em compromissos mensuráveis na escala necessária.

Em termos de justiça climática, a criação do Mecanismo de Ação de Belém para transição justa representa um avanço significativo: pela primeira vez, a equidade na transição climática tem um espaço formal no sistema da ONU. No entanto, os mecanismos de perda e dano ainda carecem de recursos adequados, e os processos de governança participativa não foram plenamente garantidos.

Quanto ao financiamento, a COP30 aprovou uma meta de triplicar o financiamento para adaptação até 2035. O Roteiro de Baku a Belém estabeleceu a necessidade de mobilizar 1,3 trilhões de dólares anuais até 2035. Porém, esses compromissos não são vinculantes e o prazo é considerado tardio diante do agravamento dos impactos climáticos.

Foram criados o Acelerador de Implementação Global e a Missão de Belém para 1,5°C, que visam apoiar os países a fortalecer seus compromissos climáticos. O lançamento do Mecanismo de Florestas Tropicais para Sempre introduziu pagamentos de longo prazo para conservação. Houve também progressos na Agenda de Ação, com mais de 480 iniciativas apresentando 117 Planos para Acelerar Soluções.

Em que aspectos a COP30 ficou aquém das expectativas da sociedade civil?

O ponto mais decepcionante foi à redução de emissões. Apesar de 88 países terem apoiado um roteiro para a transição dos combustíveis fósseis, o texto final não incluiu linguagem sobre isso. Não houve compromissos formais para eliminar progressivamente os combustíveis fósseis nem reforma de subsídios. A oposição de grandes produtores de petróleo impediu avanços. O Brasil lançou iniciativas paralelas sobre florestas e transição fóssil que, embora não sejam decisões negociadas, podem influenciar discussões futuras.

A COP30 também deixou evidente a crescente polarização geopolítica. A ausência dos líderes da China, Estados Unidos e Índia — os três maiores emissores — sinalizou as dificuldades políticas. A conferência foi marcada por um incêndio que interrompeu as negociações e por bloqueios de grupos indígenas exigindo proteções mais fortes para a Amazônia.

O legado esperado — proteção ampliada de territórios, recursos adequados para soluções de base, e instrumentos para garantir que a Amazônia e seus povos não sejam sacrificados — se concretizou apenas parcialmente.

Fonte: CIVIUS LENS

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