Com 1.602 representantes credenciados, indústria teve papel crucial para a exclusão do “roadmap” fóssil do texto final da COP30
Na cúpula realizada na Amazônia, mais de 1.600 lobistas fósseis estiveram credenciados, número que supera o de praticamente todas as delegações nacionais — à exceção do Brasil, país anfitrião, que levou 3.805 participantes. Os dados são de uma análise da coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO).
Proporcionalmente, o número representa um aumento de 12% em relação à COP do ano passado, em Baku, no Azerbaijão, e constitui a maior concentração de lobistas fósseis desde o início do monitoramento do KBPO.
“O lobby é um dos principais elementos por trás da falta de resultados concretos na COP”, afirma Ilan Zugman, diretor para a América Latina da 350.org, integrante da coalizão. “Ele se manifesta em vários níveis, desde a Zona Azul — onde ocorrem as negociações oficiais — até side events, jantares e patrocínios.”
Segundo o levantamento, 599 lobistas ingressaram na COP por meio de crachás de delegações oficiais, o que lhes deu acesso direto ao funcionamento interno das negociações. A França, por exemplo, levou 22 representantes do setor, incluindo cinco da TotalEnergies — entre eles, o CEO, Patrick Pouyanné. A delegação japonesa contou com 33 lobistas, como executivos da Mitsubishi Heavy Industries e da Osaka Gas; e a Noruega levou 17 representantes, incluindo seis altos executivos da estatal Equinor.
“Um quarto de todos os participantes eram lobistas. Isso por si só demonstra que esta foi a COP dos fósseis, e não a COP das florestas, como o governo brasileiro anunciava”, diz Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara. “É intrínseca a relação entre diplomacia e lobistas — e isso se reflete nos resultados.”
Quando lobistas ingressam como parte de delegações oficiais, explica Mike Davis, CEO da Global Witness, eles têm potencial acesso às negociações do texto final entre os países. “O fato de o documento final não trazer qualquer referência aos combustíveis fósseis é um indicativo da influência dessas indústrias.”
Nas horas decisivas de um dos textos principais desta COP, o chamado “Mutirão”, países produtores de petróleo, especialmente a Arábia Saudita, foram apontados como responsáveis pela exclusão do “roadmap dos combustíveis fósseis” do documento, apesar do apoio de mais de 30 países à proposta. Por trás dessas posições, observam especialistas, havia forte atuação de lobistas.
“A Saudi Aramco, uma das maiores petroleiras do mundo, estava presente representando o governo saudita e defendendo intensamente os interesses fósseis”, afirma Zugman. Ele acrescenta que a delegação russa também contou com executivos da Gazprom, empresa estatal russa de gás.
Se a atuação de alguns ficou explícita, outros chamaram atenção pela discrição. A Petrobras, por exemplo, não enviou representantes da alta cúpula a Belém, evitando protestos relacionados à exploração na Margem Equatorial. Menos de um mês antes da COP, o Ibama autorizou a estatal a perfurar um poço na Foz do Amazonas para o início das pesquisas sobre petróleo na região, com leilões de novos blocos já em andamento.
“Os lobistas — inclusive brasileiros ou ligados a interesses no Brasil — não demonstravam grande preocupação com o que estava sendo negociado na COP, porque já está anunciado o leilão de petróleo de dezembro”, diz Oliveira. “Ou seja, eles seguem vencendo dentro e fora das COPs.”
Segundo Oliveira, a COP serviu como “cortina de fumaça” para debates que afetariam diretamente o país, como a expansão da exploração na Margem Equatorial. “Esse tema foi totalmente ofuscado, mesmo enquanto o governo defendia um ‘mapa do caminho’ para abandonar os fósseis. Fala-se da Amazônia, mas ignora-se que estão perfurando a Amazônia”, afirma.
Ela lembra que, até mesmo durante a conferência, a ANP abriu edital para 451 blocos de petróleo e gás — incluindo áreas na Foz do Amazonas. “A expansão fóssil proposta pelo Brasil é gigantesca.”
A influência do setor nas COPs, contudo, não começou em Belém. Na COP28, em Dubai, por exemplo, a escolha de Sultan al-Jaber — CEO da petrolífera nacional dos Emirados, ADNOC — como presidente da conferência gerou forte polêmica. Em 30 anos de COP, as palavras “carvão” e “combustíveis fósseis” só entraram pela primeira vez em um texto final na COP26, em Glasgow.
Para Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF Brasil, o problema não é a presença de representantes de setores como o de petróleo nas negociações, tendo em vista o teor democrático dos debates nas COPs, mas a disparidade de poder entre os lobistas e a sociedade civil.
“A capacidade dos lobistas dos combustíveis fósseis de influenciar as negociações — pelo número de representantes que trazem e pelo acesso direto às delegações — acaba determinando o peso que cada setor tem nas decisões”, afirma. “Meu sentimento é que a sociedade civil deveria ter o mesmo nível de acesso e capacidade de incidência que esses lobistas que trabalham para frear o avanço da agenda climática.”
A influência, afirmam especialistas, vai muito além das salas de negociação. “Sempre há um jantar, um encontro paralelo, uma conversa à margem. Esses executivos têm muito poder e acesso. Se não estão na sala, conhecem quem está. Sempre ouvimos relatos assim”, diz Zugman.
Diante desse cenário, especialistas defendem maior transparência no processo de credenciamento da ONU, que hoje dificulta identificar quem de fato circula pelos espaços da conferência — já que os crachás indicam apenas a delegação nacional, sem mencionar a empresa ou o setor representado. A avaliação é que, com regras tão genéricas, o número real de lobistas presentes pode ser substancialmente maior do que o registrado.
“As informações disponibilizadas pela ONU são insuficientes para uma análise séria e aprofundada, e isso impede que se desenvolvam mecanismos para conter esse tipo de influência — que, sem dúvida, atrapalha muito”, completa o especialista da 360.org.













