O RS é porta de entrada para eventos climáticos extremos – em dois anos, este é o quinto evento climático extremo
Mais de um ano após a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul (RS), o povo gaúcho chora novamente a dor da perda. Cinco pessoas já faleceram e mais de 9 mil estão fora de suas casas. Desde as últimas enchentes que marcaram o Estado e mobilizaram uma rede de solidariedade em todo o País, pouca coisa mudou. Não por falta de aviso, mas sim por negligência do governador Eduardo Leite (PSDB), que insiste em produzir um Plano de Transição Energética “fake” e um Plano de Reconstrução do Estado que não tem se materializado com a realidade do Estado. O RS é porta de entrada para eventos climáticos extremos – em dois anos, este é o quinto evento climático extremo. Juntas, as tragédias somam 295 vidas perdidas (264 mortos e 31 desaparecidos), conforme dados levantados nos boletins da Defesa Civil do RS.
O Instituto Internacional Arayara alertou o governo do Estado que as enchentes se repetiriam, mas não houve escuta. Inclusive, por não ouvir a voz da sociedade civil, o governador precisou escutar a justiça. Após ação movida pela ARAYARA, o plano de transição energética do RS foi interrompido por decisão da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado em dezembro de 2024. A recomendação da justiça é que o plano deve contar com participação ativa da sociedade e incluir diferentes alternativas para a matriz energética do Estado.
Por incrível que pareça, em plena emergência climática, Eduardo Leite apresentou um plano que se diz de “transição energética” focado totalmente na indústria do carvão, uma das mais poluentes que existem. O suposto plano de transição sequer citava as fontes de energias consideradas limpas. No ano passado, a ação da ARAYARA solicitou a instauração de um comitê participativo para a elaboração de um plano efetivo de transição energética justa, com medidas para descomissionar o setor termoelétrico movido a combustíveis fósseis.
É importante lembrar que o RS abriga algumas das principais principais instalações termelétricas do país, como a Candiota III, alimentada pela maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, e a usina Pampa Sul. Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), essas unidades estão entre as menos eficientes do Brasil, sendo responsáveis pelas maiores emissões de gases de efeito estufa por unidade de energia gerada.
O Rio Grande do Sul também tem um título que envergonha o nosso país, pois a única Secretaria Estadual de Meio Ambiente no mundo que tem, em sua estrutura administrativa, uma mineradora de carvão é a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (SEMA-RS), onde a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) é uma estatal gaúcha vinculada e administrada pela SEMA-RS. Além disto, o Estado gaúcho também é o único no Brasil que possuí uma legislação pró-carvão através da Lei Estadual nº 15.047/2017 que instituiu a Política Estadual do Carvão Mineral e criou o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul.
Hoje, o povo gaúcho é refém não apenas de mais uma tragédia climática que poderia ter sido evitada, mas também da inépcia das políticas públicas estabelecidas. A população gaúcha não deve pagar a conta da falta de eficiência de um Estado que desmontou seu Código Ambiental Estadual, com a alteração de 480 pontos desta legislação, e ainda fortalece a indústria fóssil, sem assumir suas responsabilidades em cuidar do meio ambiente e das pessoas. Sabemos que a indústria fóssil do carvão e do petróleo são sócias dessas tragédias, e, porque defendemos a vida, seguiremos lutando pela descontinuidade dessas atividades poluidoras e por um plano de transição energética verdadeiro e transformador, que garanta qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.
Juliano Bueno de Araújo
Diretor técnico do Instituto Internacional Arayara; doutor em riscos e emergências climáticas