A poucos dias da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu a Licença Prévia da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, planejada para funcionar com gás natural fóssil e potência de 1.470 MW no Distrito Federal. A decisão, fundamentada no Parecer Técnico nº 132/2025-Coert/CGTef/Dilic, apontou a inviabilidade ambiental e locacional do empreendimento proposto pela empresa Termo Norte Energia Ltda.
A UTE Brasília seria a maior termelétrica a gás natural do bioma Cerrado e integraria um conjunto de quatro usinas associadas ao Gasoduto Brasil Central (TGBC), que possui mais de 900 km de extensão. O Ibama destacou que o licenciamento do gasoduto está vencido há mais de seis anos, o que inviabiliza o projeto principal e as demais usinas dependentes.
Os estudos técnicos identificaram impactos ambientais significativos. A operação da usina poderia gerar cerca de 4,7 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, com risco de agravamento da qualidade do ar no DF. Somadas, as quatro termelétricas poderiam ultrapassar 12 milhões de toneladas de emissões, representando ameaça à qualidade do ar, ao solo e à água do Cerrado. O parecer também registrou a necessidade de suprimir 31,91 hectares de vegetação nativa, captar 110 m³/h de água bruta e lançar 104 m³/h de efluentes no rio Melchior — classificado como corpo hídrico de baixa qualidade.
Além dos impactos ambientais, o Ibama considerou os efeitos sociais. O projeto previa a remoção da Escola Classe Guariroba, que atende 568 alunos em situação de vulnerabilidade. Documentos do Estudo de Impacto Ambiental confirmam que a empresa solicitou formalmente à Secretaria de Educação do DF uma reunião para discutir a demolição da unidade.

O Instituto Internacional Arayara, que acompanha o caso desde 2024, atribuiu à mobilização popular um papel central na decisão. Em junho de 2025, mais de 400 pessoas participaram de uma audiência pública em Samambaia, o que levou o Ibama a suspender a sessão e aprofundar a análise técnica. A campanha #XôTermelétrica realizou mais de 100 ações em 11 meses, envolvendo comunidades de Ceilândia, Samambaia, Sol Nascente e outras regiões.

Com o indeferimento da licença, a UTE Brasília fica impedida de participar dos Leilões de Reserva de Capacidade (LRCAP) do Ministério de Minas e Energia, previstos para 2026. O projeto havia sido incluído entre os empreendimentos favorecidos por dispositivos da Lei 14.182/2021 (PL da Eletrobras), que acabaram vetados.
Para Juliano Bueno, diretor técnico do Instituto Arayara e conselheiro do Conama, a decisão marca um avanço no licenciamento ambiental federal. “O parecer do Ibama reforça a necessidade de alinhar a matriz energética à segurança hídrica, à saúde pública e aos compromissos climáticos internacionais”, afirma.
O Instituto Arayara avalia que a decisão está em sintonia com a tendência global de descarbonização e com os debates que serão retomados na COP, onde a transição energética e o futuro das termelétricas devem ocupar lugar central nas negociações internacionais.