Ações judiciais tentam impedir o ataque do governo Lula contra a Natureza e seus povos a menos de cinco meses da COP na Amazônia, que vai discutir o fim da produção de combustíveis fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões dos gases que aquecem o planeta
Vinte blocos de exploração de petróleo cercam completamente duas Terras Indígenas em Mato Grosso cujos limites já foram declarados e que esperam a demarcação. Outro bloco fica a cerca de 220 quilômetros da Reserva Biológica do Atol das Rocas, no litoral do Rio Grande do Norte. Este e mais 15 blocos se encontram próximos ou sobrepostos à Cadeia de Montes Submarinos de Fernando de Noronha, reconhecida pela biodiversidade que abriga. Trinta e quatro blocos no litoral do Rio Grande do Sul estão numa região de “alta produtividade biológica e complexidade oceanográfica”, o que a torna “essencial para reprodução e alimentação de diversas espécies de peixes”, de acordo com um relatório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama.
Tudo isso está incluído no leilão que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, marcou para 17 de junho.
E tem ainda 47 blocos da Bacia da Foz do Amazonas, região ímpar da costa brasileira em termos de riqueza e sensibilidade ambientais, onde nenhuma das empresas petrolíferas que arremataram nove áreas há 12 anos, em 2013, conseguiu a licença do Ibama para fazer perfuração. Isso pode mudar agora, depois que o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, contrariando um parecer de 29 técnicos, deu o sinal verde para a Petrobras passar à última etapa do licenciamento do bloco 59, a 160 quilômetros do litoral do Oiapoque, no Amapá.
A iminência da emissão da licença para o bloco 59 deverá provocar uma corrida às 47 áreas na Foz do Amazonas incluídas no leilão da ANP. Outro fator que poderá aumentar o interesse das empresas – 12 comunicaram que farão ofertas e mais 31 estão aptas a participar – é o ataque de Israel ao Irã, iniciado na noite de 12 de junho (horário do Brasil, madrugada de 13 de junho no Irã). O preço internacional do petróleo, que vinha caindo neste ano, voltou a subir depois da agressão israelense.
Ao todo, serão oferecidos 172 blocos, dos quais 118 – entre eles os descritos no início deste texto – estão localizados em regiões de “novas fronteiras” petrolíferas, onde ainda não existe produção do combustível fóssil. Apesar disso, nenhuma delas passou por uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, a AAAS, um estudo socioambiental, previsto em uma portaria federal de 2012, que tem o objetivo de determinar se a instalação de uma cadeia petrolífera numa região é viável.
No terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, a ANP já havia realizado um grande leilão petrolífero em 2023. Na época, houve protestos e ações judiciais. Mas a reação é maior agora, quando a oferta de áreas de exploração acontece a cinco meses da COP30 em Belém, a primeira conferência do clima a ser realizada na Amazônia. Um tema prioritário da reunião é como pôr em prática a decisão, adotada na COP28, de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões de gases que provocam o aquecimento do planeta. Sem que haja uma redução rápida na queima de petróleo, gás e carvão, a temperatura média da Terra continuará aumentando, com consequências drásticas para a vida no planeta.
Além de lideranças indígenas, ambientalistas e cientistas, a oposição ao leilão inclui a Federação Única dos Petroleiros, a FUP. A entidade sindical entrou com uma ação popular pedindo a suspensão do leilão, por causa da oferta dos 47 blocos da Bacia da Foz do Amazonas. “Além de ferir o interesse público, a soberania energética e o patrimônio nacional, o leilão está sendo convocado sem as mínimas garantias ambientais nem consulta às comunidades tradicionais”, argumenta a FUP.
Já o Ministério Público Federal no Pará também entrou na Justiça no dia 12 de junho em uma ação contra a ANP para barrar o leilão, igualmente em função da licitação dos blocos na Foz do Amazonas. A ação pede uma liminar – ou seja, uma ordem emergencial – e que os tribunais condicionem a eventual concessão dessas áreas a quatro medidas, entre elas a realização da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, de um estudo do impacto climático do petróleo que viria a ser produzido e de uma consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e tradicionais da região. O Ministério Público já havia recomendado à ANP que suspendesse o leilão.
O Instituto Internacional Arayara, que monitora os riscos ambientais, sociais e econômicos da exploração de combustíveis fósseis, iniciou cinco ações civis públicas pedindo a retirada dos 118 blocos das “novas fronteiras” petrolíferas. Isso inclui, além da Foz do Amazonas, 21 áreas da bacia terrestre dos Parecis, em Mato Grosso e Rondônia, 34 da Bacia de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e 16 da Bacia Potiguar, no litoral do Rio Grande do Norte e do Ceará. A oferta de 117 desses blocos foi autorizada por uma manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente em 2020.
O prazo de validade da manifestação acaba em 18 de junho, um dia depois do leilão. Para o Instituto Arayara, isso configura uma irregularidade jurídica, já que o processo de licitação só termina com a assinatura dos contratos de concessão, prevista para novembro. Além disso, o instituto argumenta que a manifestação não contempla os requisitos de uma portaria interministerial de 2022, que atualizou os critérios socioambientais obrigatórios para a oferta de blocos petrolíferos.
Até a publicação desta reportagem, não havia decisões da Justiça sobre essas ações.
Fonte: Sumaúma
Foto: reprodução/ Sumaúma/ BRUNO SANTOS/FOLHAPRESS