A audiência pública do Ibama sobre a construção de uma Usina Termelétrica (UTE) virou polêmica em Brasília. O órgão foi acusado de agir sem a devida transparência, já que a convocação não teria envolvido o Governo do Distrito Federal (GDF), conforme alegam as pastas internas.
Por: Thamiris de Azevedo
O Instituto Internacional Arayara obteve uma decisão judicial que suspendeu a audiência, alegando prazo insuficiente de 16 dias úteis para análise do Estudo de Impacto Ambiental, que possui mais de 4 mil páginas. Em resposta, o deputado distrital Gabriel Magno (PT) promoveu audiência pública para debater o tema. O evento, em 21 de março, foi marcado por críticas, dados técnicos e manifestações contra a instalação.
Em 14 de março, com exclusividade, o Correio da Manhã revelou que o projeto da UTE só se tornou conhecido quando pais da Escola Classe Guariroba souberam da possibilidade de fechamento da unidade para a construção de algum empreendimento.
Eles alertaram movimentos sociais em dezembro, que descobriram, em janeiro, que o Instituto brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) havia agendado uma audiência pública sobre o licenciamento de uma UTE. Newton Vieira, do Movimento Salve o Rio Melchior, afirmou ao jornal que a comunicação foi tardia e a audiência já estava marcada para 12 de fevereiro.
O movimento pressionou o Ibama, que admitiu erro na divulgação da data e remarcou a audiência para um mês depois. No entanto, o Instituto Arayara entrou com um Mandado de Segurança e obteve uma decisão judicial suspendendo o evento. Na mesma data, 12 de março, moradores de Samambaia, região administrativa do DF, protestaram contra a construção da Usina Termelétrica, gritando “xô termelétrica” pelas ruas. A população expôs diversos motivos contrários ao projeto, que também foram levados para a audiência pública organizada pelos deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
É importante explicar que a audiência pública do Ibama é pré requisito legal para concessão de licenciamento, já a audiência pública da CLDF é ato popular de debate promovido pelos representantes da Câmara.
Investigação apurará responsáveis pela poluição do Melchior | Foto: Divulgação/DER
Escola do campo
Nas paredes do auditório, cartazes feitos à mão pelas crianças expressaram suas opiniões e apelos para que a escola não seja fechada, revelando tanto o amor quanto o medo que sentem.
A Escola Classe Guariroba foi uma das principais manifestações durante a audiência. A unidade foi inaugurada há pouco tempo, em 2018, e tem capacidade para acolher 500 crianças entre o 1º ano da educação infantil até o 5º ano do ensino fundamental.
O advogado da seccional de Samambaia Maximiliano Magalhães destacou, durante a audiência, que o artigo 227 da Constituição Federal assegura absoluta prioridade para crianças e adolescentes. Na avaliação do especialista, o artigo é o único que trata sobre absoluta prioridade e, assim, o dispositivo já afasta o caráter legal da construção.
A vice-diretora, Ana Eliza dos Santos, compareceu ao local e manifestou para os presentes sua tristeza com a possibilidade do fechamento da escola: “Está todo mundo assustado com essa notícia. As crianças chegam até nós e perguntam se vamos deixar fazer uma Usina aqui. Mas infelizmente não temos esse poder de barrar, mas temos voz”.
Ela também relatou que a Escola Classe Guariroba, antes de ser transferida para a atual localidade, funcionou durante dois anos em um galpão na Administração, segundo ela, inadequado para aulas. Nesse período, notaram queda na nota dos alunos e exaltaram a perda pedagógica que o projeto da UTE proporciona. Destacou que a escola é a única escola do campo de Samambaia.
Artes que as crianças fizeram sobre os males da usina na região | Foto: Thamiris de Azevedo
Outorgas
Durante o debate, foram levantados questionamentos sobre os impactos da Usina Termelétrica nas águas do Rio Melchior, que já está em nível 4 de poluição. O rio é alvo de uma Comissão de Inquérito Parlamentar na CLDF, que investiga o despejo excessivo de efluentes poluentes em suas águas.
O gerente de engenharia ambiental da Arayara, John Wurding, questionou para Gustavo Carneiro, Superintendente de Recursos Hídricos da Adasa, sobre as duas outorgas que permitem o uso do rio. Segundo John, os documentos estão baseados em estudos sobre o rio de 2012, que não compreende a realidade atual. Destaca que já entrou com Ação Civil Pública para derrubar a permissão que, para ele, é ilegal.
O representante da Adasa explicou que o órgão é responsável apenas por analisar os requisitos legais para conceder a outorga, com foco na questão hídrica, e não nos impactos ambientais. Ele afirmou que foram concedidas duas outorgas prévias, de caráter superficial, e destacou que o projeto garante que a água retirada será devolvida após tratamento, com qualidade superior à da captação. Sobre o estudo, mencionou que a Adasa realiza análises periódicas, sendo o mais recente de 2012. Anunciou que a atualização será publicada em 2025.
Algumas pessoas que estavam assistindo não concordaram com a fala. Questionaram em voz alta a retirada de um rio que já é objeto de CPI, e alegaram que “a conta não fecha” quando dizem que vão devolver uma água mais limpa.
Também foi lida, pelo presidente da Arayara, Juliano Araújo, a decisão judicial de 18 de março, negando a tutela de urgência da ACP, mas citando o Ministério Público reconhecendo a discussão é de elevadíssima relevância, uma vez, segundo a decisão juiz, envolve a segurança hídrica do DF.
Produtores rurais
Os produtores rurais da região também estiveram presentes compondo a mesa. Ismael Gonçalves destaca que há muitos produtores na região ao lado DF 180, onde querem levantar a usina.
“Eles temem que o sustento deles sejam perdidos. Têm grandes empreendimentos que geram muitos mais empregos do que os trabalhos prometidos pela Usina. Empresários investem naquela área. O Suíno Bom, por exemplo, emprega 160 pessoas, a usina está ofertando somente 80 vagas”, expõe.
Panfleto com os problemas que a usina causará na região | Foto: Divulgação
Doenças respiratórias
Outro ponto de debate foi sobre o aumento das doenças respiratórias que o equipamento pode gerar. Citaram que Brasília já é um lugar seco e que grande parte da população possui já possui algum tipo de déficit respiratório. A população alegou que não poderia ter mais uma agravante para prejudicar os moradores.
Contas mais caras
Juliano Araujo, que também é da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, disse que o aumento projetado na conta de luz é de 17%, pois 1 megawatt custa em torno de R$ 1500,00.
Cadê o GDF?
O deputado Max Maciel (Psol) questionou a ausência dos órgãos do Distrito Federal e a hipótese de que nenhum órgão distrital estivesse sabendo da situação: “É inadmissível que esteja tramitando um projeto na capital do país, aí você liga nos órgãos, e dizem que ninguém sabe. Ou estão mentindo para nós, e não cabe mentira, ou acham que a gente é bobo e não vai descobrir as coisas. Eu quero dizer que não somos bobos e vamos descobrir as coisas”.
Gabriel Magno também destacou que convidou os órgãos distritais, o Ibama e a Aneel, mas sequer responderam ao seu convite.
Eletrobrás
O deputado do Psol avaliou, durante sua fala, que a privatização da Eletrobrás durante o governo Bolsonaro é o grande responsável pela situação atual.
“Colocaram jabuti dizendo que onde não tinha termelétrica, agora poderia ter, inclusive na capital do país. A entrega da matriz energética, que nenhum país sério faz essa entrega porque é fator de desenvolvimento, resulta em condicionantes que permitem o capital privado com interesses próprios a explorar situações em ambientes que eram impossíveis de se implementar. Então, colocaram esse jabuti permitindo essa UTE em Brasília. É importante ressaltar que na época tiveram deputados aqui do Distrito Federal que votaram favorável a possibilidade dessa UTE”, denuncia.
“O próprio TCU já disse que esse processo sequer tem procedência para continuar, mas infelizmente, em 2023, e não sabemos por qual motivo, o órgão do Ibama emitiu parecer número 43 favorável para a construção da UTE. Isso abriu caminho para esse lugar onde estamos chegando aqui agora”, continua.
Rei do gás
Calos Suarez também foi alvo de críticas. O deputado Gabriel Magno apontou que o homem, conhecido como “rei do gás” é sócio das empresas Termo Norte, responsável pela UTE, e da TGBC, responsável pelo gasoduto que ligaria São Paulo à Brasília.
Coluna do diretor de redação do Correio da Manhã, Cláudio Magnavita, e reportagem do dia 20 de março, também já haviam apontado para outra “coincidência”. Suarez tem 75% da CEB Gas , empresa de economia mista que tem o direito de explorar o gás encanado no Distrito Federal. Com o gasoduto a empresa que tem a Companhia Enérgica de Brasília -CEB, com 25% será a grandebeneficiada.
“Precisamos pensar sobre os interesses por trás dessa termoelétrica”, ressalta o distrital.
Câmara dos deputados
Ao final da audiência, a deputada federal Erika Kokay (PT) comprometeu-se em marcar audiência pública na Câmara dos Deputados para debaterem o tema com os representantes federativos.
Fonte: Correio da Manhã