O Instituto Internacional ARAYARA realizou, na manhã de ontem (28), uma coletiva de imprensa online para anunciar um pacote de ações civis públicas com o objetivo de suspender o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão da ANP, previsto para ocorrer em 17 de junho.
As ações são fundamentadas em estudos técnicos recém-lançados pela ARAYARA e em pareceres de órgãos da administração pública, e foram protocoladas em diferentes regiões do país:
- Ação sobre manifestações conjuntas (JFPA) – Processo nº 1024508-88.2025.4.01.3900
- Ação sobre emissões (JFDF) – Processo nº 1054900-56.2025.4.01.3400
- Ações sobre Unidades de Conservação e Terras Indígenas (JFMT) – Processos nº 1016097-83.2025.4.01.3600 e nº 1016098-68.2025.4.01.3600
- Ação sobre Fernando de Noronha (JFRN) – Processo nº 0805426-27.2025.4.05.8400T
Os processos alertam para os graves riscos socioambientais associados aos blocos incluídos no leilão, especialmente em regiões de elevada sensibilidade ambiental, como a Foz do Amazonas, o arquipélago de Fernando de Noronha, Mato Grosso e Rondônia.
Acesse e confira todas as informações do Leilão do Juízo Final: www.lelaofossil.org
O leilão prevê a oferta de 172 blocos exploratórios, totalizando 145.597 km² — uma área equivalente a 1,71% do território brasileiro ou cerca de 20,4 milhões de campos de futebol. Embora a ANP ainda não tenha divulgado oficialmente quais empresas participarão do leilão, a lista de 31 petroleiras habilitadas já aponta prováveis interessadas.
Esta é a primeira vez que blocos localizados na Foz do Amazonas são incluídos nesse modelo de concessão, o que acendeu o alerta entre ambientalistas e especialistas, diante da elevada sensibilidade ambiental da região. São 47 blocos da Bacia da Foz do Amazonas, distribuídos em quatro setores, que localizam-se em águas profundas entre os estados do Amapá e do Pará.
Segundo Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora executiva da ARAYARA, cerca de 230 territórios tradicionais estão sob impacto direto de empreendimentos ligados à cadeia do petróleo e gás, como blocos exploratórios, gasodutos, linhas de transmissão e terminais de GNL. Esses territórios representam 28% de todas as terras indígenas no Brasil, conforme dados do Monitor Amazônia Livre de Petróleo.
“Já conseguimos barrar a exploração de diversos blocos de petróleo e impedir outras iniciativas que ameaçavam o meio ambiente e as comunidades tradicionais — e não vamos ficar de braços cruzados”, afirma Nicole.
A ARAYARA denuncia a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas pelos processos de concessão e leilão dessas áreas, em desacordo com a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil. “A Constituição brasileira e os tratados internacionais garantem esse direito sempre que houver medidas que impactem diretamente os povos indígenas”, reforça.
Oliveira destaca também que a realização do leilão ocorre a apenas cinco meses da COP 30, conferência global do clima que será sediada pelo Brasil. “Além dos impactos socioambientais, a proximidade entre os eventos levanta críticas sobre a coerência da política ambiental brasileira diante dos compromissos climáticos assumidos internacionalmente”.
Áreas sensíveis sob ameaça
A análise técnica da ARAYARA revela sobreposição dos blocos com diversas áreas ambientalmente sensíveis, entre elas:
-6 blocos incidem sobre Áreas de Influência Direta (AID) TIs, incluindo Tapayuna, Manoki e Ponte de Pedra. Dois territórios estão completamente cercados;
-1 bloco incide diretamente sobre à Unidade de Conservação Parque Municipal Natural de Pimenta Bueno e três blocos atingem zonas de amortecimento de 3 UCs distintas;
-16 blocos situam-se em áreas com a presença de 17 espécies da flora ameaçada de extinção, incluindo espécies endêmicas da região;
2 blocos situam-se em áreas onde vivem 6 espécies da fauna em risco de extinção, como a águia-cinzenta (Urubitinga coronata) e o tuco-tuco (Ctenomys bicolor), que apresentam maior grau de vulnerabilidade;
-17 blocos estão localizados em áreas prioritárias para conservação na Amazônia, 14 no Cerrado e no Pantanal;
-131 blocos estão sobrepostos a Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade Marinha, cobrindo mais de 60 mil km². Destaca-se ao menos a ocorrência de 86 espécies da fauna marinha ameaçada afetadas pelos blocos na bacia de Santos, 58 na bacia Potiguar, 14 na Foz do Amazonas e 5 em Pelotas. Como, por exemplo, o coral-vela (Mussismilia harttii) e a toninha (Pontoporia blainvillei).
O biólogo marinho e gerente de operações da ARAYARA destaca que um dos casos mais alarmantes envolve o Grande Sistema de Recifes Amazônicos (GARS). “Seis blocos incidem diretamente sobre esse ecossistema marinho, classificado como de “extrema importância biológica” e de baixa compatibilidade com a atividade petrolífera, segundo o próprio Plano de Redução de Impactos sobre a Biodiversidade Marinha e Costeira (PRIM P&G)”, revelou.
Noronha volta ao centro da polêmica
Outra região que voltou a despertar preocupação é a Bacia Potiguar, situada nas proximidades da Cadeia de Montes Submarinos de Fernando de Noronha. A oferta de blocos nessa área já havia sido contestada em 2023, quando a ARAYARA ingressou com uma Ação Civil Pública contra o ciclo anterior.
Em 2024, o Grupo de Trabalho Permanente sobre Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural (GTPEG/MMA) recomendou novamente a exclusão total dos blocos da região, citando a interconexão ecológica e os riscos ambientais elevados, como Interferência sísmica em espécies marinhas sensíveis, Dispersão de óleo por correntes oceânicas, como o Vórtice Potiguar;
Viabilidade questionada
Além dos riscos ambientais, a ARAYARA também questiona a viabilidade técnica e econômica da exploração em alguns blocos. Muitos estão localizados em terrenos geologicamente complexos, como formações vulcânicas, o que implica altos custos operacionais e reduz a compatibilidade com critérios de sustentabilidade.
A diretora da ARAYARA reforça que seguirá atuando junto à sociedade civil e instituições públicas para reverter os riscos do leilão e defender a integridade dos ecossistemas brasileiros. Ela destaca ainda o caso do bloco FZA-M-59, localizado na costa amazônica, na Margem Equatorial — faixa que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte. O bloco se tornou símbolo da resistência de povos indígenas e organizações ambientais contra a exploração de petróleo na região.
“Se o bloco 59 for licenciado, o Ibama perde qualquer argumento técnico ou jurídico para barrar os próximos. Toda a costa estará ameaçada. Não podemos permitir isso”, alertou.