Na última quarta-feira (12) um protesto em Guariroba, na região administrativa de Samambaia, reuniu mais de 300 pessoas com o tema “Xô Termelétrica”. Foi somente neste momento que autoridades e ambientalistas tiveram de fato a sua atenção voltada para o fato de que uma Usina Termelétrica (UTE) estava perto de se tornar realidade no Distrito Federal.
O Correio da Manhã recebeu, com exclusividade, denúncia de especialistas, moradores e ativistas sobre o projeto de construção de uma Usina Termelétrica (UTE) na região. Em entrevista também exclusiva, o secretário de Meio Ambiente, Gutemberg Gomes, declarou que o GDF é totalmente contrário ao projeto.
O caso está repercutindo próximo ao Dia Nacional da Conscientização das Mudanças Climáticas, que acontece em 16 de março, e do Dia Mundial da Água, em 22 de março. Especialistas entrevistados alertaram que uma usina termelétrica, que produz energia a partir da queima de combustíveis fósseis, é a fonte de energia mais poluente. O projeto oficial prevê um equipamento de potência de 1470 kw em uma extensão que vai de Samambaia até o Recanto das Emas.
Escola
Tudo parecia ir evoluindo na surdina. O presidente do Movimento Salve o Rio Melchior, Newton Vieira, conta que em dezembro do ano passado surgiram as primeiras informações de a Escola Classe Guariroba, inaugurada em 2018, seria fechada para a construção de um empreendimento, do qual ninguém sabia qual era. Somente em janeiro, surgiram as informações de que se tratava de uma UTE.
Parecia estranho que o GDF fosse se empenhar em destruir uma escola, inaugurada em 2018, que acolhe mais de 500 crianças, e na qual foram investidos no ano passado R$ R$ 567 mil para a construção de uma quadra esportiva.
“A escola é linda. Uma referência. E agora vai destruir? Para onde vão essas crianças? Ela foi construída como uma solução para as crianças que estavam estudando próximas a um aterro sanitário há anos, próximo ao Rio Melchior, que está extremamente poluído”.
O Correio da Manhã procurou a Secretaria de Educação sobre o fechamento da unidade escolar. Até o momento de fechamento desta matéria, não havia resposta.
Rio Melchior
A construção da termelétrica ainda aumentaria a poluição no Rio Melchior, que já está sendo alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O rio já recebe cerca de 12 milhões de litros de efluente de esgoto industrial por dia, e com a usina,receberá ainda mais.
Para que um empreendimento que tenha impacto ambiental seja levantado, a legislação brasileira exige que haja um estudo prévio de impacto ambiental e audiência pública para a exposição do documento para a população. Segundo Newton, quando descobriram sobre a possibilidade do empreendimento, faltava poucos dias para que essa audiência fosse realizada na data anunciada. Newton avalia que tudo estava, na verdade, acontecendo debaixo dos panos.
Estava marcada a audiência pública para o dia 12 de fevereiro. Newton, com a ajuda do Instituto Arayara questionou a data. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) informou que a data estava errada, e remarcou para um mês depois. Todavia, os representantes da Arayara protocolaram Medida de Segurança para suspender a audiência, considerando o pouco prazo para avaliar o Estudo de Impacto Ambiental, de mais de 4 mil páginas, divulgado pela empresa Termonorte.
“A omissão da autoridade coatora em retificar a convocação com tempo hábil para a devida participação social caracteriza violação aos princípios da eficiência, da transparência, da publicidade e da participação popular”, consta na petição.
A 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal acolheu o pedido. Por determinação judicial, a audiência pública deve ser remarcada em até 45 dias úteis.
Para Renata Sembay, ativista ambiental da Arayara, o empreendimento representa um recorte de racismo ambiental, uma vez que se trata de um empreendimento poluidor em uma região periférica, de população de baixa renda, a 20 km do centro de Brasília.
Impactos ambientais
O próprio estudo de impacto ambiental, ao qual o Correio da Manhã teve acesso, aponta para diversos riscos na obra.
Um dos maiores riscos apontados refere-se ao consumo hídrico de água de mananciais para o resfriamento das turbinas e posteriormente o lançamento de efluentes deste processo em altas temperaturas na água do Rio Melchior. Ou seja, mais poluição no rio.
O engenheiro ambiental e gerente de transição energética do Instituto Arayara, John Wurdig, destaca ainda o risco relacionado às emissões atmosféricas, em especial aos gases de efeito estufa que pioram a qualidade do ar e assim geram doenças do sistema respiratório. Segundo o ambientalista, o DF produz cerca de 4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa por ano pela geração de energia. A termelétrica produziria sozinha 4,7 milhões de toneladas. Ou seja, mais que dobraria a emissão de gases no DF.
O relatório de impacto ambiental elenca somente três impactos positivos e 20 negativos. Os positivos seriam geração de trabalho e renda, dinamização da economia regional e fortalecimento do Sistema Interligado Nacional.
Apesar disso, no item 57, conclui-se que é viável a instalação da UTE “pois serão adotadas as boas práticas ambientais”.
Distritais
A discussão também já chegou na Câmara Legislativa do Distrito Federal e alguns deputados distritais já começaram a se movimentar para evitar a construção.
O deputado Max Maciel (Psol) enfatiza que o projeto surpreendeu a todos, porque nenhuma discussão estaria acontecendo oficialmente em nenhum órgão do DF, apesar de o licenciamento já estar em curso no Ibama.
“Essa usina não faz sentido para o Distrito Federal, especialmente quando discutimos uma agenda de renovação e a urgência da pauta climática”.
O deputado Gabriel Magno (PT) diz que vai trabalhar para o projeto não passar. “É preciso atender ao apelo da população que não quer usinas termoelétricas no DF”. Uma audiência na CLDF está prevista na sessão plenária de 21 de março.
GDF contra
Com exclusividade ao Correio da Manhã o secretário do Meio Ambiente do DF, Gutemberg Gomes, posicionou-se contra o empreendimento e afirmou que o projeto não passou por nenhuma trativa com os órgãos ambientais do governo.
“Nós fizemos uma conferência distrital do meio ambiente, em fevereiro, e ela foi rica no trabalho das emergências climáticas”, disse o secretário. “Fui agora surpreendido quando apareceu essa posibilidade de instalação de uma usina termelétrica no DF. Reuni todos os responsáveis. Para minha surpresa, novamente, não passou nada pela área ambiental interna”.
Gutemberg vai além: “Eu apoio todas as moções de repúdio. Logo após o carnaval, o Ibama já tinha marcado audiência pública, sem tratativa com o Governo do Distrito Federal, e sem convite”.
“Garanto que não houve tratativa com o GDF sobre essa UTE”, repete o secretário. “Uma usina dessas vai contra toda a política ambiental que estamos cordenando e queremos para enfrentar as mudanças climáticas. Nós queremos iniciativas de baixo carbono. Vou dialogar diretamente com o presidente do Ibama, não vejo nenhuma vantagem para a população do DF”.
Fonte: Correio da Manhã