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Região onde seria instalada a Usina Nova Seival enfrenta crise hídrica e racionamento de água

Região onde seria instalada a Usina Nova Seival enfrenta crise hídrica e racionamento de água

Conforme reportagem exibida pelo Jornal do Almoço, do Grupo RBS TV, na sexta-feira, 10 de janeiro de 2025, o município de Hulha Negra, no Rio Grande do Sul, enfrenta racionamento de água potável devido à estiagem que atinge a região. O fenômeno La Niña, responsável pela redução significativa das chuvas, tem agravado a crise hídrica no território.

Por: John Würdig, engenheiro ambiental, pesquisador, gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA

A Usina Nova Seival, movida a carvão mineral, seria instalada neste mesmo território, que atualmente enfrenta racionamento de água. O empreendimento, caso tivesse sido implementado, consumiria mais de 38 mil metros cúbicos de água por dia — um volume equivalente ao consumo diário de uma cidade com 230 mil habitantes.

Hulha Negra (RS), é conhecida por abrigar as maiores reservas de carvão mineral do Brasil. Em 2021, o município, juntamente com Candiota, foi indicado como local para a instalação da Usina Nova Seival, um empreendimento termelétrico movido a carvão mineral. No entanto, em 2022, a Justiça Federal suspendeu o projeto devido a irregularidades no processo de licenciamento ambiental. A decisão foi resultado de uma Ação Civil Pública movida por entidades dos movimentos sociais e ambientais, na qual o Instituto Internacional Arayara atuou como amicus curiae, contribuindo com argumentos técnicos e jurídicos em defesa do meio ambiente.

Em uma decisão inédita, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou a inclusão de diretrizes legais fundamentais nos Termos de Referência dos processos de licenciamento de usinas termelétricas no Rio Grande do Sul. Entre essas diretrizes estão as previstas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n.º 12.187/09) e na Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (Lei Estadual n.º 13.594/10). A decisão destaca, em especial, a obrigatoriedade da realização de Avaliação Ambiental Estratégica, conforme disposto no artigo 9º da legislação estadual, além da necessidade de incluir análises de riscos à saúde humana nos processos de licenciamento ambiental.

O Instituto Internacional Arayara ressalta que, em 2021, o empreendimento da UTE Nova Seival encontrava-se em processo de licenciamento ambiental junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O projeto foi solicitado pela empresa Energias da Campanha Ltda., de responsabilidade da Copelmi Mineração Ltda. A operação da termelétrica a carvão mineral previa a construção de instalações nos municípios de Candiota e Hulha Negra, dentro dos limites da Mina do Seival, também de propriedade da Copelmi.

Em relação ao conflito envolvendo os recursos hídricos da região, o projeto da UTE Nova Seival previa a construção de uma barragem e um reservatório para atender suas necessidades operacionais. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento, estava previsto um consumo de 1.595 metros cúbicos de água por hora, totalizando 38.280 metros cúbicos por dia. Esse elevado consumo de água seria realizado em uma região onde a escassez hídrica é um problema recorrente, representando um risco significativo para a continuidade da produção agrícola local.

Devido aos eventos climáticos extremos resultantes das mudanças climáticas, o Rio Grande do Sul tem enfrentado fortes estiagens durante o verão nos últimos anos. Além disso, em 2024, o estado sofreu a maior tragédia climática já registrada no Brasil. Entre o final de abril e o início de maio, intensas inundações atingiram 469 cidades gaúchas, representando mais de 95% dos municípios do estado.

De acordo com a Defesa Civil Estadual, o evento climático extremo impactou mais de 2,3 milhões de pessoas. O volume de chuvas ultrapassou 800 milímetros em mais de 60% do território estadual, causando danos severos: 55.813 pessoas buscaram abrigos, 581.638 ficaram desalojadas, 806 ficaram feridas, 42 foram consideradas desaparecidas, e 172 vidas foram perdidas.

Em dezembro de 2024, o Instituto Internacional ARAYARA lançou o Monitor de Energia, uma plataforma online que reúne estudos, dados, infográficos e legislações sobre a matriz energética brasileira. Durante o lançamento, foi apresentado o estudo “UTE Candiota 2050 – O Futuro Insustentável da Produção de Energia Elétrica a Partir do Carvão Mineral Subsidiado”, que destacou o grave problema do estresse hídrico na região de Candiota e Hulha Negra.

Segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a região enfrenta um cenário crítico de comprometimento dos recursos hídricos, com projeções alarmantes para os próximos 15 anos. A plataforma reforça a necessidade de repensar o modelo energético do país frente aos desafios ambientais e hídricos.

No estudo, a ARAYARA destacou que a Usina Termelétrica Candiota III possui uma outorga para o uso de 1.900 m³ de água por hora, com um consumo hídrico anual estimado em 16.644.000 m³. Esse volume equivale a 190 caixas d’água de 10 mil litros por hora e 1.664.400 caixas de 10 mil litros por ano. Esses números evidenciam a incompatibilidade desse consumo com a realidade hídrica do município de Candiota e dos demais municípios da região carbonífera da Campanha, onde a escassez de água já é um desafio recorrente.

Historicamente, a região tem enfrentado sérias crises de estiagem, como a de 2015, quando foi decretado estado de emergência devido à grave escassez de chuvas. Nesse período, as perdas econômicas na agricultura e na pecuária leiteira chegaram a cerca de R$ 4 milhões (G1, 2015). Além dos impactos econômicos, a baixa umidade do ar intensificou problemas ambientais, facilitando a dispersão das cinzas provenientes da queima de carvão na usina. Isso agravou problemas respiratórios na população local, que registrou um aumento significativo de doenças devido à inalação das partículas em alta concentração (Correio do Povo, 2015).

Mais recentemente, em 9 de abril de 2024, foi homologada a situação de emergência em todo o território de Candiota (RS) por meio do Decreto Estadual N° 57.560, com respaldo do Decreto Municipal N° 4.754. A medida foi tomada em resposta à estiagem que afetou severamente o município nos primeiros meses do ano. De acordo com Flávio Sanches, Coordenador da Defesa Civil de Candiota, as perdas nas lavouras de soja chegaram a até 60% devido à escassez de água registrada em janeiro, fevereiro e março (Tribuna do Pampa, 2024). O coordenador também ressaltou que, durante seus quatro anos de gestão na Defesa Civil, foi necessário o envio contínuo de caminhões-pipa para garantir o abastecimento de água potável para consumo humano (Tribuna do Pampa, 2024).

Segundo análises baseadas em dados de modelagem do balanço hídrico para 2040, fornecidos pela ANA, o município de Candiota apresenta projeções alarmantes, com a possibilidade de áreas apresentarem comprometimento crítico, muito alto e alto dos recursos hídricos. Isso inclui a região onde está instalada a UTE Candiota III (Mapa abaixo).

Esses resultados sugerem que o cenário hídrico no município poderá se agravar significativamente, intensificando os desafios já enfrentados pela região. Contudo, observa-se que as ações governamentais não têm considerado adequadamente esses diagnósticos e as previsões de impactos climáticos, atitude essa que acarretou no maior desastre climático do estado do Rio Grande do Sul.

Por fim, reiteramos que a continuidade da atividade de mineração do carvão mineral, especialmente em áreas vastamente contaminadas por Drenagem Ácida de Mineração (DAM), decorrente da exploração desse minério, bem como a queima de combustíveis fósseis para a geração de energia elétrica nas Usinas Térmicas de Candiota III e Pampa Sul, comprometem gravemente o meio ambiente. A mesma preocupação se estende a futuros projetos de novas usinas térmicas que os empreendedores do setor de carvão insistem em instalar na região. Esse cenário se torna ainda mais problemático diante da escassez hídrica que a região já enfrenta e continuará enfrentando nos próximos anos.

Não podemos aceitar propostas como o artigo 22 do Projeto de Lei 576/21, que inclui “jabutis” destinados a fornecer subsídios às usinas térmicas a carvão mineral da Região Sul do Brasil até 2050. Portanto, os vetos do Presidente da República na Lei Federal nº 15.097, de 10 de janeiro de 2025, que regula o aproveitamento do potencial energético offshore, devem ser mantidos pelos Senadores e Deputados Federais.

ARAYARA e ALADTI: união em defesa dos direitos indígenas e do meio ambiente na América Latina

ARAYARA e ALADTI: união em defesa dos direitos indígenas e do meio ambiente na América Latina

Diante da crescente violência estrutural contra defensores e defensoras indígenas e ambientais no Brasil e em toda a América Latina, o Instituto Internacional ARAYARA reafirma seu compromisso com a preservação do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos. Desde novembro de 2024, a organização passou a integrar a Aliança Latino-Americana de Defensores e Defensoras de Terras Indígenas (ALADTI), uma rede que une esforços de organizações indígenas e da sociedade civil  que atua em sete países da região.

O Brasil é o segundo país com mais assassinatos de ativistas ambientais, mesmo com a redução de mortes em 2023. De acordo com a ONG Global Witness, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos no mundo no último ano, com a Colômbia no topo do ranking. No Brasil, os assassinatos caíram de 34 para 25, mas a violência continua preocupante, agravada pela concentração fundiária e pela falta de reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas. O relatório também alerta que os números podem ser subestimados, e os ativistas enfrentam ainda intimidação, difamação e criminalização.

Rede de proteção aos povos indígenas

A ALADTI reúne representantes de Brasil, Peru, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Guatemala e México, com o objetivo de promover a proteção e os direitos dos povos indígenas da América do Sul e Mesoamérica. “A organização busca criar ambientes seguros por meio da coordenação de esforços e da implementação de ações conjuntas, visando enfrentar as pressões crescentes sobre os territórios indígenas, agravadas pelo contexto da crise climática global”, explica a pesquisadora da ARAYARA Heloísa Simão.

Com uma estrutura transversal e horizontal, o ALADTI atua em três principais eixos estratégicos:

– Autoproteção e Fortalecimento de Capacidades – formação de lideranças indígenas e preparação para enfrentar ameaças;

 

-Incidência, Comunicação e Jurídico – conscientização pública e mobilização nacional e internacional;

 

-Governança e Financiamento – garantia de recursos e sustentabilidade das ações da Aliança.

Teddy Sinacay, líder Asháninka e presidente da Central de Comunidades Nativas de Selva Central (CECONSEC), durante o 2º encontro ALADTI, destacou a relevância da aliança para a unidade histórica e ancestral dos povos indígenas: “A aliança dos povos indígenas é fundamental, não apenas para o Peru, mas para toda a América Latina. Ela nos permite superar as limitações impostas pelos governos e fortalecer nossa unidade histórica, além de possibilitar a criação de nossos próprios sistemas de comunicação e instituições, como estabelece a Convenção 169”.

Contribuição da ARAYARA

Há 33 atuando atuando na defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e da justiça social. A ARAYARA integra o Grupo de Trabalho de Incidência, Comunicação e Jurídico da ALADTI. Segundo Simão, a instituição coloca à disposição sua expertise técnico-estratégica para contribuir tanto com a proteção adequada dos defensores indígenas, quanto com a ampliação de sua participação pública e política.

“Nosso compromisso é somar esforços para garantir segurança física e jurídica a essas lideranças, ao mesmo tempo em que fortalecemos sua voz nas arenas de decisão pública. A proteção dos defensores e defensoras é fundamental para que possam seguir liderando a luta pela preservação do meio ambiente e dos territórios indígenas”, destacou a pesquisadora.

Com sanção do PL 576/21, setor eólico vê momento favorável para investimentos no RS

Com sanção do PL 576/21, setor eólico vê momento favorável para investimentos no RS

Após a sanção do Projeto de Lei nº 576, de 2021, que disciplina o aproveitamento de potencial energético offshore, pelo presidente Lula, na sexta-feira (10), o setor de eólicas gaúcho celebra um “momento único” para oportunidades e investimentos no Rio Grande do Sul. A avaliação é da presidente do Sindienergia-RS, Daniela Cardeal.

“Estamos provocando o governo estadual e os agentes privados há algum tempo. Em 2023, já promovemos estudos, como o estudo de favorabilidade para definir os prismas, que é um instrumento do marco aprovado. Então, o Rio Grande do Sul pode se antecipar”, explicou Daniela.

Ela também destacou que a logística e a infraestrutura do Estado favorecem os investimentos. “O Porto de Rio Grande está passando por uma dragagem importante, teremos possibilidade de fabricar as embarcações, o que também é um dos objetivos da legislação: o fomento à indústria. Além disso, nós temos conexão”, comemorou. Por fim, ela considerou que o Rio Grande do Sul tem demanda por energia renovável.

“A indústria está pedindo descarbonização, até porque, hoje em dia, isso é requisito para financiamentos. O agro também é interessado em promover a transição energética, com a produção de amônia verde. Outro mercado que está crescendo no Estado é o dos data centers, que precisam de muita energia”, disse, ressaltando que 30% do potencial brasileiro das eólicas offshore está no estado.

Como ponto de alerta, ela ressaltou a possibilidade de criação de unidades de conservação marítima no Rio Grande do Sul, projetos que começaram a ser elaborados em 2018 e não levaram em consideração os empreendimentos de energia renovável. “É um ótimo momento para que possamos reconstruir o Estado, conversando com a sociedade, com dados atuais. É uma unidade de conservação que poderia comprometer 1/3 do potencial de geração do Estado”, ponderou.

A Lei aprovada por Lula estabelece diretrizes para o aproveitamento de potencial energético em áreas sob domínio da União, como o mar territorial, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental, com foco na geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis. O texto prevê, também, incentivos ao desenvolvimento da indústria nacional, à geração de empregos e ao fortalecimento da segurança energética do país, integrando aspectos econômicos e ambientais.

A geração de energia offshore é feita por meio de turbinas eólicas instaladas em plataformas fixas ou flutuantes no leito marinho. É uma fonte de energia renovável e limpa que utiliza a força do vento, principalmente em alto-mar, onde os ventos são mais rápidos, constantes e não há barreiras, sendo mais produtiva do que as eólicas em solo.

Vetos do presidente retornarão para o Congresso

Entre os vetos do presidente Lula ao PL 576/21 está o artigo 22, que previa subsídio para a contratação de energia proveniente de termoelétricas movidas a gás e carvão. Se fosse aprovado, o custo estimado do subsídio seria de mais de R$ 400 bilhões até 2050.

John Würdig, engenheiro ambiental e gerente de Transição Energética do Instituto Arayara, considera que o Congresso não irá derrubar os vetos, uma vez que isso poderia gerar desgaste político. “Além de representar um aumento significativo na conta de energia dos brasileiros, esses subsídios violam os compromissos climáticos do Brasil, especialmente o Acordo de Paris, ratificado pelo país em 2017. Essa matéria gerou estranhamento desde o início, pois trata-se de um PL para energia eólica.”

Würdig afirmou, ainda, que, caso o setor da cadeia de carvão tente aprovar o subsídio por Medida Provisória, “será inconstitucional”. O engenheiro defende que seja feito um plano de transição energética para a usina de Candiota 3, uma das térmicas do Rio Grande do Sul afetada pelo veto, com aposentadoria compulsória para os trabalhadores. “Gera emprego e renda, mas gera muitos passivos ambientais e à saúde das pessoas”. Ele salienta que seriam necessários aproximadamente R$ 30 bilhões para recuperar áreas degradadas por conta da mineração de carvão, especialmente a drenagem ácida.

Uma manifestação está marcada para esta quarta-feira (15) em defesa da usina de Candiota 3. O objetivo é justamente pleitear uma Medida Provisória que permita o funcionamento da usina. O presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável, Fernando Zancan, defende que “as razões para o veto do artigo 22, no que se refere ao carvão, foram baseadas em informações equivocadas e o resultado será péssimo para as economias e a população do sul do Brasil, em especial para as regiões mineiras”, considerou.

“Ao impedir a recontratação das usinas a carvão, o presidente Lula vai na contramão dos princípios do Acordo de Paris. Por desinformação ou pressões de grandes conglomerados, o veto interrompe uma atividade que responde por apenas 0,3% das emissões de CO2 no Brasil para provocar o empobrecimento de 40 municípios do Sul do Brasil, que perderão, segundo o DIEESE, R$ 107 bilhões de valor agregado, R$ 40 bilhões de tributos e R$ 27 bilhões de massa salarial”, criticou Zancan. Estima-se que o setor afete 36,2 mil famílias.

Fonte: Jornal do Comércio

Foto reprodução: Jornal do Comércio / Andy Buchanan/AFP/JC