Em uma decisão que reflete o impasse entre as áreas técnica e administrativa, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisou a concessão de licença para exploração de petróleo pela Petrobras no bloco 59 da Bacia da Foz do Amazonas
A nota técnica, assinada por 26 técnicos do órgão, recomendou o arquivamento do pedido da Petrobras, apontando graves lacunas nos estudos ambientais apresentados pela empresa. Contudo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, contrariou o parecer técnico e decidiu manter a tramitação do processo.
A negativa dos técnicos se baseia no novo Plano de Proteção e Atendimento à Fauna (PPAF), atualizado pela Petrobras, considerado insuficiente para mitigar os riscos ambientais. O parecer destaca falhas específicas nos estudos de impacto, afirmando que estes não garantem a segurança da biodiversidade marinha nem contemplam de forma satisfatória os riscos para comunidades indígenas, altamente sensíveis a um eventual desastre de vazamento de óleo.
A diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira, parabenizou a recomendação técnica do Ibama, que reforça preocupações antigas sobre os riscos que a exploração de petróleo traz para a Amazônia. “Há riscos evidentes e os estudos realizados são inadequados. Mesmo com modificações, o plano de emergência da Petrobras ainda não atende aos requisitos técnicos necessários para que o licenciamento prossiga. Agora esperamos que o processo seja arquivado pelo órgão.”, declarou.
Entenda os principais pontos da decisão técnica
Impactos socioambientais: Segundo o Ibama, a exploração de petróleo no bloco 59 poderia gerar impactos profundos em áreas de alta biodiversidade e em comunidades indígenas da região. Contudo, a Petrobras não abordou completamente as medidas de mitigação necessárias para minimizar esses impactos.
Plano de Proteção à Fauna (PPAF): A análise concluiu que o plano proposto pela Petrobras não detalha adequadamente a resposta em caso de vazamento. Pontos como equipes de atendimento, deslocamento de recursos e dificuldades meteorológicas que impactam resgates não foram especificados, comprometendo a eficácia do plano.
Ausência de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS): A falta de uma AAAS foi considerada um dos pontos críticos, pois essa avaliação permite analisar de forma abrangente os impactos acumulados das atividades petrolíferas na região. De acordo com o Ibama, a ausência desta análise amplifica o risco ambiental.
Impactos sobre comunidades indígenas: O órgão também questionou a análise da Petrobras sobre os efeitos das operações aéreas nas comunidades indígenas. A empresa argumentou que o ruído das aeronaves está associado ao aeródromo de Oiapoque, e não diretamente às atividades de perfuração. O Ibama, contudo, classificou essa justificativa como insuficiente e indicou que a análise de impactos indiretos deve ser mais detalhada.
Em resumo, a nota técnica sustenta que o pedido de licença ambiental da Petrobras não atende às normas exigidas, recomendando o arquivamento do processo. Apesar dessa recomendação, o presidente do Ibama optou por permitir que a discussão continue, alegando que a empresa poderia apresentar novos esclarecimentos.
Biodiversidade e comunidades tradicionais da Margem Equatorial em risco
A Margem Equatorial brasileira, considerada um potencial “novo pré-sal”, estende-se da foz do rio Oiapoque ao norte do Rio Grande do Norte e inclui bacias próximas à foz do Amazonas. A área, que abriga 80% dos manguezais do país e recifes fundamentais para a pesca, enfrenta forte oposição de ambientalistas e organizações internacionais, que alertam para os riscos de vazamento de óleo e os impactos climáticos da exploração fóssil.
Em 2023, o Ibama negou um pedido da Petrobras para exploração na costa do Amapá, solicitando mais dados sobre os potenciais danos ambientais. Apesar dos riscos, a região abrangida pelo bloco 59 é prioridade no plano estratégico da Petrobras para 2024-2027, que defende a exploração como essencial para a sustentabilidade dos negócios da empresa, mesmo em meio à transição energética.
“Lamentamos que o processo não tenha sido arquivado, pois isso abre margem para que o diálogo continue, quando, em nossa visão, o correto seria interromper qualquer avanço em direção à exploração de petróleo na Amazônia”, pontuou Oliveira.
Críticas de organizações e movimentos ambientais
A rejeição do parecer técnico pelo presidente do Ibama ocorre em meio a uma pressão internacional por parte de parlamentares latino-americanos que participam da Frente Parlamentar Global pelo Futuro Livre de Combustíveis Fósseis. Na semana passada, durante a COP16, ocorreu a primeira audiência pública da coalizão, com o apoio de mais de 800 legisladores de 95 países, que apelam pelo fim da expansão de petróleo, gás e carvão.
A ARAYARA marcou presença na audiência, onde apresentou dados alarmantes do Monitor Oceano sobre os impactos da exploração de combustíveis fósseis nos ecossistemas marinhos brasileiros. “Defendemos a interrupção e a saída gradual dos combustíveis fósseis na Amazônia”, declarou o gerente-geral da Arayara, Vinícius Nora.
Durante o evento, uma carta aberta de parlamentares de 11 países da América foi apresentada à ministra colombiana Susana Muhamad. O documento solicita novos compromissos concretos e tratados internacionais, complementando os acordos já estabelecidos pelo Acordo de Paris.
Entrevistada pelo Instituto Internacional Arayara, a bióloga responsável Biofábrica de Corais, Maria Gabriela Moreno Ávila, explica fenômeno que ameaça a vida marinha na costa brasileira
A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) ocorre a cada dois anos, constituindo o principal fórum internacional para promover a cooperação em prol da conservação e do uso sustentável da biodiversidade.
Esta edição do evento é a primeira após a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, firmado na COP15 em dezembro de 2022. Esse acordo global estabelece um plano de ação para que os 196 países signatários avancem em metas nacionais, visando deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Entre os compromissos propostos pela ONU estão:
– Proteger ao menos 30% das áreas terrestres, marinhas e costeiras do planeta;
– Restaurar ao menos 20% dos ecossistemas degradados de água doce, marinhos e terrestres, com foco em ecossistemas prioritários;
– Reduzir pela metade a introdução de espécies invasoras conhecidas ou com potencial de ameaça;
– Diminuir em 50% a perda de nutrientes e em dois terços o uso de produtos químicos prejudiciais à biodiversidade, em especial pesticidas, além de erradicar o despejo de resíduos plásticos no meio ambiente;
– Mitigar o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade e fomentar soluções baseadas na natureza e em ecossistemas para adaptação e resiliência;
– Elevar em 200 bilhões de dólares os fluxos financeiros internacionais destinados aos países em desenvolvimento.
Ecossistemas marinhos em risco
As discussões da COP16 destacam a urgente necessidade de ações coordenadas para mitigar o aquecimento global e proteger ecossistemas marinhos frágeis, vitais tanto para a biodiversidade quanto para as comunidades que dependem deles.
Entre os temas centrais está o aquecimento dos oceanos, provocado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, que causa impactos devastadores sobre os recifes de corais. O fenômeno do branqueamento, um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas e da degradação dos ecossistemas marinhos, ameaça a sobrevivência desses corais, essenciais para a saúde dos oceanos.
De acordo com dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e UOL, o aumento recorde da temperatura do oceano em 2024 causou uma destruição sem precedentes nos corais da costa de Alagoas. Cientistas da UFAL relataram a morte de mais de 90% das comunidades de corais, consequência direta das mudanças climáticas e do fenômeno El Niño. A temperatura da água atingiu 34°C, ultrapassando o limite de tolerância dos corais, como o coral-de-fogo e o coral-couve-flor, exclusivos do Brasil.
Buscando reverter esse cenário, no litoral de Ipojuca (PE), a Biofábrica de Corais começou a atuar em 2017 na recuperação dos recifes de Porto de Galinhas. Com autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Startup lidera um projeto de restauração inovador, coordenado pela bióloga María Gabriela Moreno.
Em entrevista para o Instituto Internacional Arayara, a bióloga compartilha sua visão sobre as causas e os impactos do branqueamento dos corais ao longo da costa brasileira e explica como a Biofábrica de Corais trabalha para restaurar esses recifes, essenciais para a biodiversidade e a resiliência das comunidades costeiras.
Cópia de Biofabricante fazendo manutenção no berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais)
Cópia de Pacote de corais biofabricados pela Biofábrica de Corais (Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofábrica de Corais)
Cópia de Corais branqueados da espécie Millepora alcicornis (Reprodução_ Ronaldo Guillen, Biofábrica de Corais)
Cópia de Turista cultivando coral(Reprodução_ Filipe Cadena _ Biofabrica de corais)
Cópia de Turista observando o berçário (Reprodução_ Filipe Cadena, Biofábrica de Corais) 5
ARAYARA – Você poderia explicar o que é o branqueamento dos corais e por que isso acontece?
Maria Gabriela – O branqueamento de corais é um fenômeno que ocorre quando o coral, que é um animal marinho, expulsa microalgas chamadas zooxantelas, que vivem no interior de seu tecido. Essas algas são muito importantes para a sobrevivência dos corais, pois fornecem a maior parte da energia que eles precisam por meio da fotossíntese. Elas também são responsáveis pela cor característica desses organismos. Sem essas microalgas, os corais perdem essa coloração e ficam brancos. É por isso que o fenômeno é conhecido como branqueamento de corais. Se o estresse ambiental persistir, os corais podem morrer, pois ficam enfraquecidos pela falta de energia e nutrientes que as zooxantelas fornecem.
ARAYARA – Há décadas está acontecendo o fenômeno de branqueamento dos corais e pesquisadores brasileiros achavam que isso estava longe de acontecer no Brasil. Mas, o que mudou para esse cenário se transformar desta maneira?
Maria Gabriela – Os recifes de corais do Brasil eram considerados um refúgio contra o aquecimento global e menos suscetíveis ao branqueamento, pois as costas brasileiras se caracterizam por águas muito turvas, devido ao sedimento trazido pelas correntes oceânicas do rio Orinoco e do rio Amazonas. Isso criava uma barreira biogeográfica e um alto endemismo no país. A alta turbidez causada pela sedimentação reduzia a irradiância solar, ajudando a amortecer o aumento da temperatura do mar. No entanto, nas últimas décadas, o branqueamento de corais tornou-se uma preocupação global e passou a afetar os corais em todo o mundo, inclusive no Brasil. O aumento da temperatura superou as metas globais e se manteve por períodos mais longos, afetando até águas mais profundas e provocando o branqueamento em regiões anteriormente menos impactadas.
ARAYARA – Quais as principais causas do branqueamento dos corais?
Maria Gabriela – As principais causas do branqueamento dos corais estão relacionadas às mudanças climáticas, sendo o aquecimento global e o aumento da temperatura dos oceanos os fatores mais significativos. Quando a temperatura do mar sobe, as zooxantelas, microalgas que vivem no tecido do coral, começam a produzir substâncias tóxicas para o coral, que, em resposta, as expulsa, resultando no branqueamento.
Outra causa importante é a acidificação dos oceanos, que ocorre devido ao aumento da concentração de dióxido de carbono (CO₂) absorvido pelos mares, tornando a água mais ácida. Isso afeta a formação do esqueleto de carbonato dos corais, enfraquecendo-os e tornando-os mais vulneráveis ao branqueamento.
Além disso, a poluição também pode desencadear o branqueamento. Poluentes como pesticidas, esgotos e sedimentos causam estresse nos corais, levando à perda das zooxantelas. Alterações na qualidade da água, como mudanças na salinidade, também contribuem para esse processo.
ARAYARA – Qual o impacto da poluição e da exploração de petróleo na região sobre esse processo?
Maria Gabriela – O aumento da poluição costeira e o desmatamento próximo aos recifes de corais podem contribuir para o aumento de sedimentos e da carga de nutrientes na água do mar, afetando a qualidade da água e causando estresse nos corais. Altas concentrações de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, provocam a proliferação de algas em um processo conhecido como eutrofização. As algas competem com os corais por luz e espaço, o que impede as zooxantelas – algas simbióticas que vivem no tecido dos corais – de realizar a fotossíntese, enfraquecendo os corais e tornando-os mais suscetíveis ao branqueamento.
Além disso, a exploração de petróleo pode gerar impactos diretos e indiretos sobre os corais. Um derramamento de petróleo é extremamente perigoso, pois o óleo pode sufocá-los ao se depositar sobre eles, impedindo também que suas zooxantelas façam fotossíntese, o que resulta em branqueamento. Os compostos tóxicos presentes no petróleo afetam a saúde dos corais e podem danificar seus tecidos.
A combinação de poluição, exploração de petróleo e aquecimento global torna os corais menos resistentes às variações de temperatura. Um coral que já está sob estresse – causado por qualquer uma dessas razões – terá menos capacidade de se adaptar a temperaturas elevadas e de se recuperar de eventos de branqueamento. A longo prazo, isso pode levar à morte desses ecossistemas.
ARAYARA – A acidificação dos oceanos tem relação direta com esse processo? Mas e o que causa a acidificação?
Maria Gabriela – Como mencionei anteriormente, a principal causa do branqueamento dos corais é o aumento da temperatura, mas essa não é a única ameaça que eles enfrentam, nem o único fator que contribui para esse fenômeno. Existem outros fatores que atuam sinergicamente, prejudicando a saúde desses ecossistemas. Um exemplo é o aumento da acidificação dos oceanos, causada pelas emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂).
O que acontece? Os oceanos são grandes absorvedores de CO₂ e, à medida que as emissões aumentam, eles absorvem mais desse gás, o que afeta sua química. Isso reduz a quantidade de carbonato de cálcio disponível, o principal composto utilizado pelos corais para formar seus esqueletos calcários. Com menos carbonato de cálcio disponível, os esqueletos dos corais se tornam mais fracos, deixando essas estruturas mais vulneráveis ao branqueamento e a outras doenças.
ARAYARA – Você acredita que as metas globais de redução de emissões podem impactar diretamente esse fenômeno?
Maria Gabriela – Olha, eu acredito que sim. Essas metas foram criadas justamente para mitigar o impacto das mudanças climáticas sobre o ambiente. Então é muito importante respeitar e cumprir os compromissos internacionais como o Acordo de Paris para limitar esse aumento da temperatura a 2 ºC . Então, para isso é necessário fazer a transição para energias renováveis, como a solar ou a energia hídrica, e para isso é necessário que o Estado invista em tecnologias e criem políticas que promovam esse uso eficiente em todo o setor, tanto industrial como residencial. Então, eu acho que esse é um caminho longo, com muitos obstáculos, mas é possível reduzir esse aumento de temperatura e reduzir o impacto que está tendo em emissão de gás e efeito de estufa sobre os recifes de coral.
ARAYARA – Quais são as principais consequências do branqueamento dos corais para a biodiversidade marinha no Brasil?
Maria Gabriela – A principal consequência será a perda de habitats para muitas espécies que dependem desse ecossistema para proteção e alimentação. Essa perda de habitat reduzirá a disponibilidade de nichos ecológicos, levando ao declínio de diversas espécies que vivem exclusivamente nesses locais. Além disso, haverá um impacto significativo nas espécies endêmicas, aquelas que só existem nessas áreas específicas, como no Brasil. O país é caracterizado por ter mais de 49% de espécies endêmicas, que são especialmente vulneráveis ao branqueamento.
Um exemplo disso é o coral Mussismilia hispida, que já foi uma das espécies mais abundantes, mas hoje é uma das mais vulneráveis ao branqueamento, além de ser uma das principais formadoras de recifes no Nordeste. Atualmente, ao mergulhar em Porto de Galinhas, Tamandaré e Maragogi, raramente encontro uma colônia de coral completamente saudável. Desde que cheguei aqui, em 2018, observei cerca de seis colônias gigantes de Mussismilia, mas agora dificilmente encontro mais de uma ou duas, e apenas alguns pólipos vivos em uma dessas colônias. Isso é um claro impacto do branqueamento e da poluição.
Outro fator que também pode influenciar é a proliferação de espécies invasoras, que afeta o equilíbrio ecológico dos recifes. Essas espécies invasoras podem alterar a dinâmica do recife e reduzir ainda mais a biodiversidade, tornando esses ecossistemas menos resilientes a impactos futuros.
ARAYARA – Você acredita que ainda há tempo para salvar os recifes, ou estamos em um ponto de não retorno? Qual é a relação dos combustíveis fósseis com essa história?
Maria Gabriela – Olha, eu acredito que ainda estamos a tempo de salvar os recifes de corais. Se não acreditasse nisso, meu trabalho perderia o sentido, né? A missão da Biofábrica de Corais é restaurar esses ecossistemas, integrando a comunidade no processo de recuperação. Acredito que atividades como a criação de áreas de conservação, a restauração ativa desses ecossistemas, a conscientização e o engajamento da comunidade, além da criação de novas fontes de renda por meio de práticas ecologicamente mais sustentáveis e a redução do uso de combustíveis fósseis, podem ajudar a mitigar os impactos das mudanças climáticas sobre esses ambientes.
ARAYARA – Em termos de soluções, o que pode ser feito para frear ou reverter o branqueamento dos corais?
Maria Gabriela – Bom, eu acho que existem dois tipos de ações que podem ser realizadas: as globais e as locais. Entre as ações globais, discutimos um pouco sobre isso anteriormente. É fundamental cumprir os acordos internacionais para limitar o aumento da temperatura a, no máximo, 1,5 graus Celsius. Para isso, é necessário realizar a transição para energias renováveis e reduzir o uso de combustíveis fósseis.
Em um nível mais local, é importante estabelecer um maior número de zonas de proteção marinha, pois é vital promover programas de restauração ativa e comunitária, diminuir a poluição, conscientizar e educar a população, além de criar fontes de renda mais sustentáveis. Bom, acho que é isso. Por isso, nós trabalhamos nessas frentes locais de mitigação.
ARAYARA – Como funciona a Biofábrica de Corais?
Maria Gabriela – O processo inclui a fragmentação de corais, técnica que estimula seu crescimento e permite sua fixação em bases ecológicas para cultivo nos recifes ou em tanques do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), em Tamandaré. Uma vez atingido o tamanho ideal, os corais são reintroduzidos nas áreas degradadas, contribuindo para a preservação dos recifes e o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.
Maria Gabriela Moreno Ávila é bióloga e doutoranda em Ecologia pela Universidade Central da Venezuela, com mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolve pesquisas em biotecnologia aplicada ao manejo de corais. Responsável pela restauração de corais na Biofábrica de Corais, também atua como pesquisadora e consultora ambiental, com experiência em conservação marinha e soluções sustentáveis. Colabora com diversas instituições, incluindo a Academia de Ciências da Venezuela, onde contribui para o segundo relatório nacional sobre mudanças climáticas.
A liberação de gases de efeito estufa nunca foi tão alta. Ao mesmo tempo, avaliação das contribuições nacionais para contê-los aponta uma redução de apenas 2,6% até 2026, colocando a meta principal do Acordo de Paris em risco
A duas semanas da Conferência do Clima de Baku, no Azerbaijão (COP29), que começa em 11 de novembro, dois documentos da Organização das Nações Unidas alertam que o mundo está na direção errada na luta contra as mudanças climáticas. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a emissão de gases de efeito estufa bateram novo recorde no ano passado, e o dióxido de carbono (CO2) acumula-se na atmosfera mais rápido do que em qualquer outro momento da existência humana. Ao mesmo tempo, os compromissos nacionais para inverter a trajetória estão muito aquém do necessário, diz um documento técnico da ONU.
Todos os anos, a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC) faz o acompanhamento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas estabelecidas por cada signatário do Acordo de Paris para evitar que o aumento da temperatura global exceda 1,5 °C até o fim do século. Publicado ontem, o relatório técnico de 2024 mostra que os compromissos climáticos assumidos pelos 195 países reduzirão apenas 2,6% das emissões de gases de efeito estufa até 2026, em comparação com os níveis de 2019.
A síntese traz informações dos últimos 168 planos climáticos comunicados à ONU até 9 de setembro — o Brasil está entre os países que reportaram atualizações nas NDCs. Considerando os dados apresentados pelos signatários, as emissões totais de gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis chegarão, em 2030, a 51,5 gigatoneladas de CO2 equivalente. Esse número exclui os lançamentos provenientes de desmatamento e atividade agropecuária.
Pico
As emissões previstas são 49,8% mais altas do que em 1990. Isso indica que é possível que o pico dos lançamentos globais de gases de efeito estufa seja atingido antes de 2030. “Os atuais planos climáticos nacionais estão muito aquém do que é necessário para impedir que o aquecimento global paralise todas as economias e destrua bilhões de vidas e meios de subsistência em todos os países”, comentou, em nota, Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC.
Stiell destacou que a próxima rodada de NDCs, que têm de ser enviadas até fevereiro de 2025, devem exibir “um aumento drástico” na ação e ambição climática. “Embora esses planos não sejam universais e sejam determinados nacionalmente, eles devem ter novas metas de emissões ambiciosas que sejam para toda a economia, cobrindo todos os gases de efeito estufa, mantendo viva a meta do 1,5 °C”, continuou Stiell. “Eles devem ser divididos em setores e gases. E devem ser confiáveis, apoiados por regulamentações, leis e financiamento substanciais para garantir que as metas sejam cumpridas e os planos implementados”, disse.
Embora o Brasil tenha sido um dos 34 países a atualizar suas NDCs, Juliano Bueno de Araújo, doutor em Riscos e Emergências Ambientais e diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, considera que o potencial de cumpri-las é baixo. “A lentidão na implementação de políticas climáticas e a falta de ações efetivas estão limitando a capacidade do Brasil de reduzir emissões”, diz. “Para reverter essa situação, é crucial adotar medidas mais ambiciosas e acelerar a transição energética”, avalia.
“A poluição por gases de efeito estufa a esses níveis garantirá um naufrágio humano e econômico para todos os países, sem exceção”, alertou Stimon Stiell. “O relatório síntese da UFCCC deverá marcar um ponto de virada, encerrando a era da insuficiência e desencadeando uma nova era de aceleração, com novos planos nacionais de ação climática muito mais ousados e por parte de todos os países no próximo ano.”
Boletim
A meta de 1,5 °C até o fim do século é tecnicamente possível, segundo o Pnuma, mas o desafio para alcançá-lo cresce a cada novo recorde quebrado. O novo Boletim Anual de Gases de Efeito Estufa da OMM informa que a concentração média global de CO2 atingiu, em 2023, 420 partes por milhão (ppm). De metano foram 1.934 partes por bilhão (ppb) e, de óxido nitroso, 336,9 ppb. Esses valores correspondem a 151%, 265% e 125% dos níveis pré-industriais, respectivamente, no século 19.
“Mais um ano. Mais um recorde. Isso deve fazer soar o alarme entre os tomadores de decisão. Estamos claramente fora do caminho para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2 °C e almejar 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”, reagiu Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.
O aumento de CO2 na atmosfera em 2023 foi maior do que em 2022, embora menor do que nos três anos anteriores. Pela 12ª vez consecutiva, o crescimento anual ultrapassou 2ppm. A última vez em que a Terra concentrou tanto dióxido de carbono foi de 3 a 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura estava 2 °C a 3 °C mais quente, com o nível do mar até 20m acima do registrado atualmente.
“É evidente que a mudança climática está acelerando em vez de continuar de forma constante”, diz Richard Allan, professor de Ciências Climáticas da Universidade de Reading, no Reino Unido. “Parar o aquecimento global estabilizando o clima da Terra e limitando danos causados pelo agravamento do clima extremo e pelo aumento do nível do mar só é possível por meio de cortes rápidos e massivos nas emissões.”
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