Contra-Cúpula do Gás: organizações ambientais se mobilizam em Berlim contra a indústria fóssil
De 9 a 12 de dezembro, o lobby global do gás natural liquefeito (GNL) está reunido no luxuoso Hotel Adlon, em Berlim, para um dos maiores encontros internacionais de networking da indústria do gás fóssil, o World LNG Summit. O objetivo do encontro é ampliar suas redes de contatos, além de fechar acordos sobre projetos futuros, incluindo ministros do setor energético.
Sob o pretexto de celebrar a inovação, o evento premiará as melhores práticas de greenwashing — estratégias utilizadas pela indústria fóssil para mascarar os impactos socioambientais de suas operações. Empresas como Shell, Exxon Mobil e Total Energies estão presentes, negociando projetos que ignoram os alertas climáticos e aprofundam a dependência global de combustíveis fósseis.
Enquanto executivos do setor de gás celebram novos acordos no World LNG Summit, organizações da sociedade civil e ativistas de diversos países se mobilizam na Contra-Cúpula do Gás. O evento, que acontece no mesmo período, na Fundação Rosa Luxemburgo, em Berlim, busca não apenas frear a expansão do GNL, mas também alertar a comunidade global sobre as consequências devastadoras desse modelo econômico.
No da 8/12, o Instituto Internacional ARAYARA esteve presente no evento para ministrar o workshop “COP30 host at crossroads: LNG/gas push in Brasil”, onde foi lançado o estudo técnico atualizado sobre a expansão do GNL no Brasil, com ênfase na vulnerável região amazônica. O encontro também contou com oficinas, debates e a exibição de produções como o documentário Yintah, que retrata a resistência da nação Wet’suwet’en, no Canadá, contra a exploração de combustíveis fósseis.
“Participar de estratégias globais de mobilização é uma maneira de a ARAYARA reafirmar seu compromisso no combate à expansão da indústria fóssil e acelerar a transição para um futuro sustentável”, declarou Nicole de Oliveira Figueiredo, diretora executiva da ARAYARA.
Amazônia na Contra-Cúpula do gaás
Ativistas de países como México, Ucrânia e Brasil compartilharam experiências, fortalecendo uma rede global contra a expansão do gás e em defesa de um futuro sustentável.
A gerente de relações institucionais da ARAYARA, Sara Ribeiro, destacou a oportunidade da instituição ocupar um espaço de destaque na programação do evento, unindo esforços a essa luta global. “O lobby do gás não só destrói o meio ambiente, como também ignora direitos humanos e ameaça nosso futuro, promovendo falsas soluções e colocando o gás como alternativa ‘limpa’, como se não fosse poluente. É hora de darmos um basta”, declarou.
Além do workshop, no mesmo dia 8/12, a ARAYARA participou de uma mesa-redonda para debater a expansão do gás e suas implicações. A organização abordou o dilema enfrentado pelo Brasil: investir em seu vasto potencial de energias renováveis ou expandir a infraestrutura de gás fóssil, como terminais de GNL e usinas termelétricas. Decisão essa que coloca o país em uma encruzilhada estratégica às vésperas de sediar a COP30.
Ribeiro, explicou como a organização combate o fracking no Brasil, especialmente na Amazônia, apresentando dados e mapas ilustrativos para expor os conflitos gerados pelas novas fronteiras de gás, gasodutos e terminais de GNL.
No dia 10/12, a ARAYARA se unirá ao protesto global “Pare o Lobby do Gás – FRACK OFF!“, promovido pela Stop Gas Summit, além de outras atividades de ação direta.
Nova fronteira do gás fóssil
Enquanto Berlim está sendo palco de protestos, o Brasil vive uma contradição. Apesar de possuir um dos maiores potenciais para energias renováveis, o país avança na construção de infraestrutura para gás fóssil. Um mapeamento da ARAYARA identificou 29 terminais de GNL em diferentes fases de desenvolvimento. Destes, 7 já operam, e outros 8 estão em licenciamento ambiental. Um número alarmante: quase um terço dos terminais planejados está na Amazônia Legal, uma região já saturada por impactos socioambientais.
O engenheiro ambiental Alisson Capelli ressalta que a expansão do GNL na Amazônia levanta preocupações sobre impactos em ecossistemas sensíveis e comunidades locais. “Como o licenciamento ambiental de metade dos terminais planejados na região já está em andamento, reforçamos a necessidade de rigor na avaliação de impactos na região”.
Capelli lembra o caso de Barcarena, no Pará, onde uma nova usina termelétrica a gás, com capacidade projetada de até 2,6 GW, entrou em construção este ano em um município conhecido por recorrentes desastres ambientais. Por conta dos acidentes graves registrados desde os anos 2000, que incluem vazamentos químicos, contaminação de água e um naufrágio de navio transportando milhares de bois, o município ganhou o apelido de “Chernobyl da Amazônia”.
Impactos globais e mobilização
A expansão do GNL e do fracking não é um problema exclusivo do Brasil. A plataforma Investing in Climate Chaos (“Investindo no Caos Climático”, em tradução livre) revela as participações em combustíveis fósseis de mais de 7.500 investidores institucionais em todo o mundo. Os dados de investimento foram atualizados em maio de 2024 e mostram que os investidores detêm atualmente 4,3 trilhões de dólares em obrigações e ações de empresas de combustíveis fósseis.
A diretora executiva da ARAYARA ressalta que a batalha contra a indústria do gás não é apenas sobre números e projetos, mas sobre os impactos nas comunidades e no planeta. “Enquanto os líderes do setor buscam maximizar lucros, ativistas e organizações reafirmam sua luta por um futuro renovável e justo. Com a COP30 se aproximando, o Brasil terá que fazer uma escolha decisiva: seguir na direção da exploração fóssil ou liderar a transição para energias limpas”, afirma.
Em outubro, Nicole de Oliveira se reuniu em Berlim com representantes da Fundação Urgewald para dialogar com parlamentares e gestores do Fundo Amazônia. O objetivo da iniciativa foi pressionar os principais doadores, como Alemanha, Noruega e outros países europeus, a condicionar futuras contribuições ao fundo a mudanças nas políticas ambientais do governo brasileiro.
Não Fracking Brasil
Desde 2016, o Instituto Internacional ARAYARA, por meio da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS), lidera a campanha “Não Fracking Brasil”, mobilizando sociedade civil, legisladores e autoridades públicas para extinguir o uso do fracking no país. Entre suas conquistas estão a primeira lei anti-fracking no Brasil, sancionada no Paraná em julho de 2019, e a aprovação do projeto de lei nº 145/2019, que proíbe a exploração de gás de xisto em Santa Catarina, também sancionada naquele ano. Mais recentemente, no último dia 2, a Justiça Federal suspendeu o uso do fracking para extração no Recôncavo Baiano, marcando mais um importante avanço na agenda de proteção ambiental e combate ao fracking no país.